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Paixões, histórias, insanidades mentais, religiões..entre outras coisas.

December 22, 2008 Leave a comment

Dizem que a primeira paixão a gente nunca esquece, mas esqueceram de mencionar que ela não precisa necessariamente ser um alguém. Eu nem lembro mais quem foi minha primeira paixão, se foi meu primeiro namorado, ou o meu primeiro beijo ou até aquele menino bonitinho que sentava ao meu lado no pré.

A primeira vez que eu me apaixonei não foi por uma pessoa. Não foi por um lugar, por um objeto, nem por um animal. A primeira vez que eu me apaixonei foi por uma história.

Se eu me lembro bem, foi no dia 2 de dezembro de 2001, eu tinha 12 anos. Eu tinha um forte preconceito contra a história, todo mundo sempre falava disso, mas eu nem queria saber, sempre odiei “modinha”. Pensava que fosse ser uma moda passageira, mas o que aconteceu foi que nesse dia minha vida mudou, o dia em que eu fui ver o filme daquela tal história que eu ainda não conhecia.

Esse filme era Harry Potter.

Depois que eu assisti ao filme, eu me senti diferente (não, eu não descobri que era bruxa). Não conseguia parar de pensar nisso, e naquela noite, e em todas as noites depois dessa, eu sonhei com aquele novo mundo durante horas. No dia seguinte, eu fui ao cinema vê-lo de novo.

Os dois dias que se passaram foram muito estranhos para mim. Eu estava vivendo em um mundo totalmente novo, que eu ansiava por conhecer, desejava do fundo do coração que existisse, mas que eu sabia não existir. Eu nunca me iludi tanto ao ponto de acreditar realmente que aquilo era verdade, que existia toda aquela história de bruxos e bruxas, mas se alguém naquele momento desejava que isso acontecesse, aquele alguém era eu.

Confusa e imatura como eu era (ou sou), acabei me confundindo. Eu sentia algo forte dentro de mim, algo poderoso, e aquilo só poderia ser amor. O alvo do amor é que foi o erro, eu pensei estar apaixonada por Daniel Radcliffe, o ator que faz o Harry Potter nos filmes.

Eu sempre achei ridículas essas meninas que veneram os artistas, que choram por eles, que vão aos shows, desmaiam de emoção e etc, não podia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo, mas é incrível como sempre conseguimos arranjar desculpas para nós mesmo nesses momentos, então eu decidi que aquilo era algo diferente das outras pessoas e assim me permiti fazer o mesmo.

Os próximos dois meses foram os mais surreais da minha vida. Por um lado, eu estava de férias, minhas primeiras férias com meus pais separados, com o novo namorado da minha mãe e com a minha irmã namorando sério pela primeira vez. Eu me sentia sozinha, triste e injustiçada. Por outro lado, eu não estava nem um pouco sozinha, eu tinha o Danny comigo.

Ok, aqui é a parte que todo mundo fica sabendo o grau de loucura que esta pessoa que aqui vos fala possui.

Eu nunca tive amigos imaginários, ou melhor, nunca tive amigos realmenteimaginários, porque eles sempre existiram. Não era ninguém que eu inventei e acreditava que estava ali, era sempre algum colega de classe ou alguém que eu desejava conhecer melhor, então eu simplesmente inventava que a pessoa estava ali comigo e passava horas conversando com ela. E eu não sei por que este parágrafo inteiro foi no passado sendo que eu faço isso até hoje.

É fácil imaginar que tem alguém com você e que você conversa com a pessoa, o difícil é conciliar o real com o imaginário, e eu sou praticamente profissional nisso, quer dizer, se tivesse um campeonato de conciliação real-imaginário eu seria a campeã mundial certeza.

Campeonatos imaginários à parte, já não é difícil adivinhar como eu passei os dois meses seguintes. O Danny era meu companheiro, ele ia ao shopping comigo, ele lia comigo, ficava no computador comigo, e quando eu fui passar um mês na praia, ele foi comigo. Além disso, ele conversava com a minha mãe, com o namorado dela, íamos ao mar juntos, saíamos de casa pra tomar sorvete juntos, ficávamos horas no quarto conversando escutando a mesma música francesa sem parar.

Além disso, eu chorava. Eu chorava todos os dias por causa dele, ele era a minha única alegria e ainda assim eu tinha que me conformar com o fato de que ele não existia. É claro que ele existia, mas lá longe, na Inglaterra, e na verdade o Daniel que eu conhecia não era o Daniel de verdade, era inventado, então mesmo se eu o conhecesse pessoalmente não seria a mesma coisa, porque não teria mesma a personalidade que eu dei a ele. Eu queria o Danny imaginário.

Agora imagina a situação das pessoas ao meu redor. Uma menina de 12 anos, que passava horas sozinha sem dizer nada a ninguém, e mesmo quando estava com as outras pessoas não parecia prestar a menor atenção em nada. Passava os dias lendo todos os livros do Harry Potter e quando não estava lendo estava escutando aquela maldita música francesa do Rufus Wainwright no quarto. Estava de férias e mesmo assim preferia ficar em casa olhando pro teto do que sair com as amigas pra ir ao shopping ou dormir em suas casas.

Qualquer pessoa que me conhecesse me tomaria por uma menina triste, provavelmente traumatizada pela separação dos pais ou algo assim, mas a verdade é que eu estava feliz, e feliz como nunca. Minha mãe sempre achou que a culpa fosse dos ciúmes que eu supostamente sentia do namorado dela, mas pra ser bem sincera eu nunca senti um pingo de ciúmes, eu realmente gostava dele e queria vê-los juntos, mesmo ela me falando que eu “não tinha coração” e que eu era egoísta demais de não querer que ela fosse feliz.

Ah mãe, se você ao menos soubesse o que se passava em meu coração! Mas eu ia falar o que pra ela? “Ah não mãe, relaxa, eu estou assim esquisita porque eu estou apaixonada pelo meu amigo imaginário!” Aí era pedir pra ser internada num manicômio.

Como eu estava sofrendo por uma coisa que eu mesma criei? Podem me chamar de louca, mas eu realmente me diverti naquelas férias, nem que fosse com um amor imaginário/comigo mesma.

Para a melhoria de minha sanidade mental, esse amor só durou até o início das aulas, quando um menino novo entrou na escola. Eu, já cansada de viver em dois mundos, dei graças ao bom senhor.

Desde lá, eu mudei muito em muitos aspectos e nem tanto em outros (amigos imaginários aí vou eu), e não sei nada sobre o Daniel a não ser dos recentes boatos de seu suspeito homossexualismo, que ele atua nu numa peça da Broadway chamada Equus e que ele quer parar de fumar e não consegue. Incrível pensar que aquele menininho de bochechas salientes de 2001 hoje em dia já é um homem crescido.

Com o passar dos anos eu fui acompanhando toda a saga Harry Potter fielmente. Nunca me vesti de aluna de Hogwarts e fiquei horas na fila do cinema pra ser a primeira a entrar, também não participei de campeonatos nas livrarias pra ver quem termina de ler o livro primeiro, essas coisas me dão um pouco de vergonha alheia. Mas mesmo assim, continuei fascinada pelos livros como ninguém, do meu próprio jeito.

Toda aquela euforia que eu senti na primeira vez que eu vi o filme eu ainda sinto, sendo com os filmes, com os livros ou a simples menção do nome Harry Potter. Se alguém começa a falar de Harry Potter eu sou a primeira a começar a discutir e me empolgo como em nenhum outro assunto.

Depois de muito tempo eu percebi que não tinha me apaixonado por uma pessoa, e sim por uma história. Se tiver que me apaixonar por alguém, que seja a J.K.Rowling, porque a mulher é sensacional, ela simplesmente despertou em mim o gosto pela leitura. Se não fosse por ela, eu não sei se teria o hábito de ler livros hoje em dia, se não fosse por ela, eu não sei se eu teria o sonho de me tornar escritora.

Essa mulher mudou não só a minha vida como provavelmente a de milhares de pessoas. Ela não criou só um herói, um personagem que todos nós gostaríamos de ser, ela criou uma sociedade inteira, com regras, leis, personalidades e personagens ímpares. Se há alguém que eu admiro no mundo esse alguém é ela com certeza.

Além disso, ela criou uma geração nova, uma geração de crianças que cresceram ouvindo suas histórias, e que como ela, acreditam no amor, na amizade e na lealdade acima de tudo. Crianças que como eu, foram tocadas lá no fundo de seus corações por uma história fantástica que todos nós amamos e respeitamos, crianças que acreditam em magia, não naquela magia das varinhas de condão, mas na magia que o amor pode trazer às nossas vidas.

Eu já li cada livro pelos menos umas 3 ou 4 vezes e simplesmente não me canso de lê-los toda vez. Sendo eu uma pessoa que canso rapidamente das coisas, isso é realmente um fato inédito.

A idéia inicial deste texto era escrever sobre o poder dos livros e comparar Harry Potter a Jesus. Sim, porque eu acredito que a Bíblia é uma história e que todo mundo acredita nela simplesmente porque foi a primeira a surgir, já dizia Al Ries. Mas como eu tenho uma habilidade incrível para mudar o foco das coisas, o tema inicial só vai ser discutido agora, na quarta página de texto do Word.

Algum dia uma pessoa extraordinariamente dotada de inteligência teve a idéia de escrever uma história sobre o salvador da humanidade e outras pessoas também dotadas de genialidade viram nessa história uma oportunidade imensa de persuadir as massas, e a Bíblia era o método ideal.

Jesus, um homem simples, de família pobre, tem uma missão na vida que é salvar a humanidade. O moço era bondoso, piedoso, perdoava até as prostitutas e os traidores, e, além disso, faz milagres nas horas vagas. Quem não gostaria de acreditar em uma pessoa assim? Eu gostaria, eu juro que eu gostaria, mas há um caminho extenso entre querer que uma história seja verdade e acreditar que ela realmente é.

Durante muitos anos eu lutei contra meu sentimento de negação perante a Igreja. Eu pensava que algo de ruim iria acontecer comigo se eu admitisse que eu não conseguia acreditar em tudo aquilo, eu tinha medo. Mas já faz muito tempo que eu consegui admitir a mim mesma que sinceramente eu não consigo acreditar, e agora eu admito para quem quiser ouvir também.

Não me leve a mal, eu acho muito bonito muitas coisas que a Igreja faz, tipo caridade, creches, essas coisas, o clima da Igreja, pelo menos a que eu costumava freqüentar, era muito bom. Eu gosto de ir à missa, porque eu gosto da mensagem da Bíblia, de amor, de solidariedade, bondade e perdão, ela é a melhor mensagem de todos os tempos. Mas eu acredito em Jesus tanto quanto eu acredito em Harry Potter ou no Oliver Twist, personagens incríveis que eu realmente queria que existissem, mas que na verdade não existem.

Como diz meu querido ex-namorado, “minha religião é o amor”, e eu realmente acredito nisso. Não me interessa nenhuma religião, não me interessa nem se Deus existe. Se há amor no meio, amor de qualquer tipo, bondade e vontade de melhorar as coisas, eu aprovo. E é exatamente por isso que eu não pertenço a nenhuma religião específica, porque em sua maioria, suas verdadeiras ambições não têm nada a ver com o amor.

Nesse aspecto as religiões orientais são uma ótima saída, mas apesar de eu querer acreditar que temos que atingir o Nirvana ou que vários deuses existam e devo adorá-los, eu me apresento um tanto quanto cética nessas questões.

Sim, eu já perdi o tema central do texto. Eu não sei se é sobre histórias, sobre religiões, sobre insanidades mentais, sobre a J.K.Rowling ou simplesmente sobre nada.

Eu acho que no fundo tudo se resume a crenças. Seja a crença no poder de uma história, no poder de religiões, no poder do amor e da lealdade ou no ceticismo nosso de cada dia.

É também sobre encontrar uma paixão, daquelas que te arrepiam só de pensar. Não importa se é uma pessoa, um objeto, um sentimento ou um lugar, uma paixão que é sua sempre vai ser algo que só você pode sentir, e ninguém mais.

O importante é acreditar. Em qualquer coisa, nem que seja em um lenço de papel sujo, um pedaço de placenta, uma estante de livros velha ou no imperialismo. Não importa o que te faz acordar todos os dias, mas pelo menos, arranje um motivo para sair da cama.