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Mundo do Sono

November 11, 2008 Leave a comment

Existe um lugar para onde todos nós vamos todos os dias, um lugar chamado Sono.

Todo mundo sabe o que é o Sono, como ele acontece e suas conseqüências, mas ninguém sabe para onde realmente vamos quando estamos dormindo.

Muitos falam em Sono REM, Sono NREM, estágios 1, 2 3 e 4, etc etc, mas como saber para onde vai a nossa consciência nesse tempo?

Foi aí que eu decidi fazer a Viagem do Sono, para descobrir todos os mistérios que rodeiam as nossas noites.

Os preparativos da viagem eram simples: eu só teria que flagrar uma pessoa quase dormindo e me agarrar à sua alma, para que ela me levasse junto rumo ao nosso destino, então foi isso o que fiz.

Com muita cautela, esperei silenciosamente Camila, minha irmã dormir. Era muito importante que ela não soubesse o que eu estava tramando, se não era capaz que ela não conseguisse dormir profundamente. Quando a sua respiração começou a ficar mais pesada, percebi que essa era a hora, então cuidadosamente me prendi à alma dela e partimos em nossa jornada.

Confesso que tudo o que vi foi totalmente inesperado, e peço-lhes para não contar meus relatos a ninguém. Não sei o que aconteceria se muitas pessoas ficassem se agarrando às almas das outras para ir para o mundo do Sono, ele não foi feito para corpos de carne e osso.

Quando partimos, fomos direto para cima, em direção ao espaço. Fiquei com medo de ficar sem ar, de me soltar e cair, mas logo deu para ver que não era o espaço de verdade, era um outro tipo de espaço, e percebi também que se eu me soltasse nada aconteceria comigo, pois havia uma espécie de campo em volta de nós que não nos deixava mudar de direção.

Esse tal de campo nos deixou em uma pequena nuvem. Obviamente vocês devem estar pensando “Nuvem? No espaço?” Mas como eu disse antes, esse espaço era diferente, ele tinha nuvens. Ao chegarmos à nuvem, Camila começou a se mover de um modo estranho, e então percebi o que ela estava fazendo, ela estava comendo a nuvem enquanto dormia! Achei muito esquisito, mas entrei no clima e dei uma pequena mordida também. Ao morder, um grande espanto! Não era nuvem coisa nenhuma, se tratava de um gigantesco algodão doce! Parece que a tarefa era comê-lo, então ajudei ela a comer.

Quando só faltava o pedaço de algodão em que estávamos sentados, eu fiquei em dúvida se deveria comê-lo ou não, afinal, cairíamos, mas Camila parecia não apresentar dúvida nenhuma, e comeu o pedaço restante de algodão que nos segurava.

Imediatamente caímos, e continuamos caindo por mais ou menos 30 segundos, até atingirmos um grande mar. No mar, havia milhares de pessoas boiando, assim como nós, e me dei conta de que deveriam ser todas as pessoas que estavam dormindo no momento.

Em meio aos corpos flutuantes, havia barcos pequenos, como canoas, e dentro se encontravam os Sentinelas Azuis. Eram homens belos, altos e fortes, e pareciam ter um único propósito: vigiar. Quando reparei melhor, vi que eles levavam consigo arco e flechas, mas não sabia o porquê.

Foi então que eu vi. O sentinela ao nosso lado começou a atirar em uma criatura enorme. Não consegui ver exatamente do que se tratava, mas vi algo assustador, parecido com um rabo gigante, como de um dragão. Esses bichos assustadores estavam puxando algumas pessoas aleatoriamente para o fundo do mar, e fiquei com medo que me puxassem também.

Enfim chegamos à terra firme, sãos e salvos. Olhei ao redor e vi milhares de ilhas iguais a ilha em que nós nos encontrávamos, cada uma com um grande farol no centro. Também não havia plantas, somente areia, e milhares de pessoas deitadas, distribuídas cuidadosamente pela superfície. Ao redor das ilhas existiam mulheres, todas vestidas de branco e com um olho só no centro da testa. A visão era grotescamente bonita, eu não sabia se sentia atração ou repulsa pelas moças de branco.

De repente, um daqueles seres do mar veio em direção à ilha e atacou uma das mulheres. Agora eu podia ver que não se tratavam de dragões, mas de algo que eu nunca tinha visto antes. Ele tinha corpo de enguia, porém com patas, e rabo de dragão. Sua cabeça era o mais assombroso de tudo, tinha feições de tigre, e consistência de peixe pedra.

Um grupo de mais ou menos dez moças de branco se juntou para combater o tal monstro e de seus olhos saiu uma luz fortíssima, tão forte que demorou alguns minutos para que eu pudesse enxergar novamente, e quando pude ver, o monstro tinha ido embora.

Enquanto eu ainda me recuperava do susto, escutei uma voz me chamando: “psiu, ei, psiu”. Virei-me para ver o que era e dei de cara com um anão muito velho e fui em sua direção.

O velho anão se chamava Norberto, e ele me explicou tudo sobre aquele mundo. Eu perguntei sobre os vigilantes azuis, as vigilantes brancas de um olho só, os monstros do mar e tudo mais. Ele me disse que os Sentinelas Azuis protegiam o mar dos monstros e as Sentinelas Brancas protegiam a terra dos monstros, porque eles também podiam andar na terra.

Até aí eu já fazia um idéia que eles serviam para isso, mas não podia imaginar o que acontecia com as pessoas que eram pegas pelos monstros, então ele me disse que aquelas que eram pegas, eram levadas para um lugar chamado Abismo do Pesadelo.

O Abismo do Pesadelo não é nada mais nada menos do que um lugar para se ter pesadelos. Isso quer dizer que quando uma pessoa começa a ter um sonho ruim é porque um desses monstros a pegou e levou-a para o abismo, e a tarefa dos vigilantes era assegurar que as pessoas tivessem sonhos bons.

Mas às vezes não era preciso ser pego por um dos bichos para ter pesadelo. O Norberto me contou que quando as pessoas vão dormir muito pesadas, com muitas preocupações, elas acabam afundando sozinhas.

Aquele lugar era realmente bonito, seria um bom lugar para viver. Mas então o velho anão me disse que lá era impossível para pessoas normais dormirem, e que ele não dormia há anos. Ele já nem fazia idéia há quanto tempo ele chegou na ilha, mas ele tinha noção de que envelhecera muito mais rápido do que o normal, foi como se tivesse envelhecido décadas em pouquíssimo tempo. E também me contou que na verdade ele nunca fora um anão, mas que acabou encolhendo naquele lugar.

Na mais lógica obviedade, perguntei por que ele não voltava para o nosso mundo, e ele me disse que no dia em que chegou, se maravilhou tanto com o lugar que se esqueceu de voltar, perdendo a pessoa com que veio para sempre. Acontece que uma vez amarrado à alma de uma pessoa, só se pode voltar pela mesma pessoa, e desde que ele se perdeu, ele tenta achar suas amarras, mas são tantas pessoas que nunca conseguiu.

Depois da nossa conversa, me despedi e tratei de achar minha irmã rapidinho, e no momento que eu a achei, ela estava começando a flutuar novamente em direção ao mar. Me senti muito aliviada de ter chegado a tempo, mas quando fui me agarrar a ela de novo, algo me puxou para trás. Era Norberto. Ele não queria que eu fosse embora, fazia muito tempo que ele não conversava e nem via ninguém desperto.

Em meio ao meu desespero para me soltar de Norberto, um dos monstros esquisitos pulou da água para a terra, diretamente em cima do anão. Rapidamente me agarrei a Camila e vi o anão sendo arrastado para o fundo de relance, e depois luzes muito brancas.

Ceguei por um instante.

A próxima coisa que vi foi o teto do quarto de minha irmã e minha irmã, sã e salva, ao meu lado.

Ela acordou e me perguntou se estava tudo bem, pois não sabia o motivo de eu estar no quarto dela tão tarde da noite. Eu dei qualquer desculpa e me voltei para meu quarto, não acreditando no que acabara de acontecer comigo.

Olhei para o relógio e só tinham se passado 18 minutos desde que havia olhado pela última vez.

Passei as próximas duas horas acordada repassando em minha mente tudo o que tinha visto. Pensei em Camila, agora dormindo de novo, e podia imaginar exatamente onde ela estava agora. E pensar que ela não fazia a menor idéia da onde eu havia estado, e da aventura que passamos juntos naquela noite.

De repente fiquei com medo de nunca mais conseguir dormir de novo, como Norberto, mas era só um medo bobo, logo eu dormi.

No dia seguinte, ao recordar de meus sonhos, percebi que não tinha tido nenhum pesadelo.

Aparentemente, os Sentinelas andam fazendo um ótimo trabalho no Mundo do Sono.